O crédito com garantia de imóvel (“home equity”) era uma das grandes apostas do presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, quando começou sua gestão, em 2019.

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Aprimoramentos regulatórios, redução das taxas de juros e competição de fato deram algum impulso à modalidade. No entanto, o crescimento ficou aquém do que se esperava no mercado.

Apesar de contar com taxas bem menores e prazos mais longos que outras modalidades (até 20 anos), o processo de aprovação ainda é demorado e um dos principais empecilhos é cultural.

Em um país com histórico de inflação elevada e grande déficit habitacional, o brasileiro ainda tem receio de dar seu imóvel como garantia.

Num país com histórico de inflação e déficit habitacional, brasileiro ainda tem receio de dar imóvel como garantia

Dados da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip) mostram que, do fim de 2014 a novembro de 2021 o estoque de home equity cresceu meros 5,8%, a R$ 12,680 bilhões.

No mesmo período, o crédito total no sistema financeiro teve expansão nominal de 51,4%. No ano passado até novembro, a alta da modalidade foi de 13%.

O mercado de home equity no Brasil é liderado pela Caixa - não por acaso, o maior banco no financiamento imobiliário.

Em seguida vêm Santander (SANB11), Itaú Unibanco (ITUB4) e a fintech Creditas. No ano passado até novembro, as concessões somaram R$ 4,856 bilhões, com alta de 31,9% em relação ao mesmo intervalo de 2020. O prazo médio era de 12,9 anos e a inadimplência, de 5,2%.

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Mesmo crescendo menos que outras linhas em 2021, o desempenho do home equity ainda é considerado “relevante”, diz José Ramos Rocha Neto, presidente da Abecip (associação das instituições financeiras que atuam no crédito imobiliário).

De acordo com o executivo, o produto tem tíquete médio elevado, de R$ 133,7 mil, e por isso sua distribuição não é tão simples quanto a de uma linha como consignado, por exemplo.

O processo para liberação dos recursos, apesar de ter evoluído, ainda é mais lento que a de outras linhas e, pelas regras, o empréstimo está limitado a 60% do valor do imóvel, o que em alguns casos pode ser um impeditivo para a concessão de valores mais altos.

“O grande destaque que ainda pesa para a evolução dessa carteira é a questão cultural. O brasileiro ainda tem um apego muito forte, um desejo de ter um imóvel próprio”.

“Para tíquetes mais baixos, apesar de o home equity ter juros bem menores, no fim das contas a diferença no valor da parcela é pequena”.

“A pessoa não vai querer colocar o patrimônio dela em jogo, como muitos pensam, para pegar um empréstimo de R$ 10 mil”, diz Rocha.

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Maria Teresa Fornea, vice-presidente da vertical de crédito imobiliário da Creditas, também aponta para a falta de conhecimento como um dos principais impeditivos para uma expansão maior do home equity.

A executiva trabalha com o produto desde seus primórdios no Brasil, e diz que só mais recentemente é que os grandes bancos começaram a apostar com força nessa modalidade.

“Hoje, os grandes bancos lideram a concessão porque já partem de uma base gigantesca do crédito imobiliário, mas ainda é pequena a originação de clientes novos. Quase 90% do público que chega até nós não tinha ouvido falar do home equity antes.”

Com base no número de imóveis sem alienação fiduciária no Brasil, o BC fez, em 2019 uma estimativa de que o home equity poderia chegar a R$ 500 bilhões, dobrando o tamanho da carteira de crédito imobiliário naquele momento.

Na ocasião, Campos disse que o crédito com garantia imobiliária tinha potencial para representar 20% do PIB nos próximos 20 anos.

Atualmente, essa relação é de 0,17%. O crédito imobiliário total é de R$ 835,8 bilhões, ou 9,7% do PIB. Nos EUA, supera 90%.

Sandro Gamba, diretor de negócios imobiliários do Santander, diz que o banco tem apostado fortemente no home equity e que as concessões no ano passado cresceram em um ritmo duas vezes superior à média do mercado, perto de 70%.

Em termos de estoque, o banco avalia ter um market share de aproximadamente 25%. “O home equity é mais barato e tem prazo maior, é uma forma de injetar liquidez no mercado".

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"Em outros países, já é muito difundido, e por aqui tem começado a ganhar relevância. Não é um produto novo em termos de oferta, mas ainda é novo em relação ao conhecimento dos clientes. Acreditamos que tende a crescer muito mais”, diz.

O Santander tem investido em tecnologia e hoje consegue liberar o crédito em dez dias, em média, se estiver tudo em ordem com a matrícula do imóvel.

O processo é praticamente inteiro digital, incluindo a avaliação do imóvel, mas a assinatura final ainda é feita na agência.

Mesmo assim, a instituição está estudando como equalizar a minuta, atendendo às exigências dos cartórios, para tornar o processo de fato 100% digital ainda neste ano. O banco oferece a linha com taxa fixa, a partir de 0,95% ao mês.

As instituições financeiras podem, desde 2014, usar o funding da poupança nas concessões de crédito com garantia imobiliária.

Já as fintechs, por não contarem com os recursos da caderneta, normalmente trabalham com taxa variável, atrelada ao IPCA.

Na Creditas, Fornea diz que a oferta de home equity cresceu 50% no ano passado e deve ter uma expansão de 100% em 2022.

Na fintech, o tíquete médio é de R$ 200 mil e o prazo, de 15 anos. Entre os principais usos para os recursos, os clientes citam investimento no próprio negócio (24%), pagamento de dívidas (21%) e aquisição de bens (21%).

“O que percebemos é que muitos micro e pequenos empresários, autônomos, usam o patrimônio para reestruturar seus passivos".

"Na média, a economia ao tomar o home equity chega a 70% do custo do serviço da dívida, comparando com um pacote formado por cheque especial, empréstimos e capital de giro. Na realidade de uma pequena empresa, é muito transformador.”

Um novo estímulo para o home equity pode vir do projeto de lei do marco de garantias enviado pelo governo ao Congresso no fim do ano passado.

Além de criar as instituições gestoras de garantia (IGGs), a proposta prevê que um mesmo bem imóvel possa servir de colateral para diversas dívidas, com múltiplos e subsequentes graus de garantia fiduciária.

Hoje, só pode haver apenas um banco e um empréstimo ligado ao imóvel. Os cartórios têm um prazo legal de até 30 dias para averbar uma garantia e a formalização é demorada e custosa.

Se um banco renegocia um contrato com um cliente, por exemplo, não pode simplesmente fazer um aditivo - é preciso criar um novo contrato e repetir todo o processo.

Em 2015, a lei 13.097 instituiu a concentração dos atos na matrícula do imóvel, que estabelece que a garantia averbada primeiro tem prioridade.

Entretanto, desde então a jurisprudência vem contornando essa regra, o que faz com que bancos e fintechs tenham de checar quase 50 tipos de registros - nos âmbitos municipal, estadual e federal - para garantir que não há nenhum impedimento contra aquele imóvel, mesmo que esteja tudo certo com a matrícula.

Apesar do otimismo do mercado com o projeto de lei, participantes esperam para ver o que e quando será aprovado pelo Congresso e, em seguida, como será a regulamentação infralegal.

“A proposta permite a alienação de um imóvel por mais de um vez, mas precisamos aguardar a evolução para ver de que forma isso vai acontecer”, afirma Gamba, do Santander.

“Qualquer medida que venha para desenvolver o mercado é positiva, mas é preciso ver como se consegue regulamentar a prioridade nas execuções de garantias”, acrescenta Fornea, da Creditas.

A possibilidade de alienar o mesmo imóvel para vários bancos diferentes não é consenso na indústria.

Um executivo que atua no setor diz que a falta de segurança jurídica no caso de execução dessas garantias pode travar o desenvolvimento do mercado.

Nesse sentido, ele defende que em um primeiro momento deveria ser adotada uma política de “credor único”, ou seja, o cliente poderia dar o mesmo imóvel como garantia em operações diferentes, mas somente dentro do mesmo banco - como foi feito na pandemia.

Se o cliente entre em inadimplência no banco A, mas não no banco B, o que se vai fazer? Dividir a casa no meio? Com o credor único daria para alavancar o home equity, porque os bancos que já concedem financiamento imobiliário poderiam ofertar essa linha para o cliente mesmo que o imóvel não esteja quitado".

"Isso faria o home equity mudar de patamar, e depois, com o amadurecimento do mercado, testar o compartilhamento de garantias”.

Essa opção, no entanto, seria mais benéfica para os bancos que dominam o crédito imobiliário do que para as fintechs.

A vice-preside da Creditas diz que é favorável à garantia compartilhada e que o projeto está na direção certa, mas precisa de melhorias operacionais.

“Ficou meio que um Frankenstein. Foram designadas muitas responsabilidades para as IGGs. Elas ficaram quase que com a inteligência do negócio.” 

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Fonte: Abecip.org e Valor Econômico.